A prática do pistolão — a utilização de influência política ou pessoal para obter vantagens indevidas — é uma chaga antiga na sociedade brasileira. Em uma democracia que se pretende sólida e baseada no Estado de Direito, não há espaço para que interesses particulares, sejam eles de indivíduos, grupos ou partidos, se sobreponham ao interesse coletivo. A verdadeira vontade popular, expressa nas urnas, só será respeitada se os cargos públicos forem ocupados por critérios técnicos, e não por conveniências políticas ou favores pessoais.
A Constituição de 1988 buscou eliminar pressões indevidas no serviço público, mas deixou uma brecha perigosa: o pistolão para a carreira. Nele, o que vale não é o mérito, mas a influência de um "padrinho". A máxima "o negócio é você entrar, o resto eu arranjo" resume essa distorção, que substitui a verdadeira carreira pelo carreirismo — a busca por posições rendosas sem qualquer compromisso com a competência ou o aprimoramento profissional. Os resultados são devastadores: prejuízos à eficiência do Estado e a frustração de profissionais qualificados, preteridos por indicações políticas.
O Triângulo do Pistolão: Padrinho, Afilhado e Intermediário
Nessa engrenagem perversa, três figuras se destacam:
1. O Padrinho — Seja por prestígio político ou relações pessoais, é quem abre as portas ilegitimamente. Age movido por lealdades privadas, não pelo bem comum.
2. O Afilhado — Muitas vezes incompetente ou despreparado, é colocado em posições que não merece, tornando-se um peso para a administração.
3. O Intermediário — O diretor ou chefe que, por fraqueza ou conivência, cede às pressões e corrompe o sistema a partir de dentro.
Esse triângulo é uma máquina de destruição do interesse público. Suas pontas afiadas furam qualquer política séria, qualquer plano que beneficie a coletividade.
A Democracia Exige Impessoalidade
Ainda que o pistolão tenha diminuído em alguns setores, sua erradicação definitiva é urgente. Uma democracia só se fortalece quando o Estado funciona com eficiência impessoal, quando cargos são preenchidos por capacidade, não por apadrinhamento. O
paternalismo político é um resquício arcaico, incompatível com um país que almeja ser justo e desenvolvido.
É hora de substituir a cultura do favor pela cultura do mérito. Só assim o serviço público será digno da confiança da sociedade.
Francisco Leopoldo Martins Filho
Advogado
Membro Efetivo da Comissão Direito Eleitoral da OAB/CE