Nos últimos vinte anos, a Enfermagem tem sido alvo de um processo acelerado de desvalorização e precarização. A terceirização por meio de organizações sociais, contratos temporários e cooperativas tem minado os direitos dos trabalhadores, reduzindo a segurança e a estabilidade desses profissionais essenciais para o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Agora, assistimos ao avanço de uma nova modalidade ainda mais perversa de exploração da Enfermagem: a quarteirização.
A prática da quarteirização, que vem se espalhando por diversos municípios cearenses e até por unidades geridas diretamente pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (SESA), representa um retrocesso sem precedentes. O modelo funciona da seguinte forma: uma organização social é contratada para gerir uma unidade de saúde e, por sua vez, subcontrata uma cooperativa para fornecer profissionais de Enfermagem. Essas cooperativas, em muitos casos, não garantem sequer os direitos trabalhistas básicos, como férias, FGTS e adicionais de insalubridade e noturno. Esse tipo de contratação fere frontalmente a legislação trabalhista e desvirtua o conceito de cooperativismo, que deveria se basear no “animus cooperandi” (espírito de cooperação), e não em um artifício para burlar direitos.
O impacto dessa precarização vai além dos trabalhadores. A falta de condições dignas de trabalho afeta diretamente a qualidade da assistência prestada à população. Profissionais sobrecarregados, inseguros e sem direitos são impedidos de exercer sua função com a excelência necessária. Casos como o de trabalhadoras grávidas sendo obrigadas a atuar em ambientes insalubres são exemplos claros do desrespeito e do retrocesso que essa forma de contratação representa.
A própria Justiça do Trabalho tem reconhecido esse problema. Foi constatada a relação de trabalho fraudulenta praticada por uma dessas cooperativas, que atua em diversos municípios do Estado. Mesmo assim, a SESA, em vez de barrar essa prática, tem permitido a contratação de cooperativas para atuar em um hospital de grande relevância, como o novo Hospital Universitário. Inclusive, há indícios de que uma das cooperativas envolvidas nessa contratação tem histórico de condenações trabalhistas.
Diante desse cenário, é imprescindível que os gestores da saúde adotem medidas efetivas para garantir a valorização e proteção dos profissionais de Enfermagem. Isso passa, necessariamente, pela realização de concursos públicos, que assegurem condições dignas de trabalho e estabilidade aos profissionais. Contratações precárias, alicerçadas em modelos que burlam a legislação, comprometem não apenas os direitos dos trabalhadores, mas também a qualidade do atendimento prestado à população.
A Enfermagem é a espinha dorsal do SUS. São esses profissionais que garantem a continuidade e a qualidade da assistência à saúde, enfrentando desafios diários com dedicação e compromisso. Permitir que sejam explorados e precarizados é comprometer não apenas suas vidas, mas também a saúde de toda a sociedade. É hora de exigir respeito, dignidade e condições adequadas de trabalho para aqueles que, todos os dias, salvam vidas.
O Sindsaúde Ceará segue firme nessa luta e convoca toda a sociedade para se unir contra essa ofensiva de desmonte da Enfermagem. A dignidade desses profissionais não pode ser negociada. O futuro da saúde pública depende disso.
Por Martinha Brandão (diretora do Sindsaúde Ceará, ex-deputada estadual da Alece, graduada em Serviço Social, e a primeira mulher a presidir a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) no Ceará.)