segunda-feira, 15 de maio de 2023

Mais de 20 vereadores já foram cassados no Ceará por fraude à cota de gênero desde 2021


Em dois anos, o Ceará teve, pelo menos, 23 vereadores cassados pela Justiça Eleitoral devido a comprovação de fraude à cota de gênero nas eleições municipais de 2020. As decisões alteraram a composição das câmaras municipais em, pelo menos, 12 municípios cearenses. Os dados são de levantamento feito pelo Diário do Nordeste a partir de dados disponíveis no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE).

O número, no entanto, pode aumentar. No final de abril, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reformou decisões do TRE-CE, que haviam julgado improcedentes denúncias de candidaturas fictícias nas cidades de Itaiçaba e de Tururu. Os ministros da Corte decidiram pela cassação dos diplomas tanto de eleitos como de suplentes dos partidos Cidadania e PSB, respectivamente.

O julgamento do processo de Itaiçaba ganhou, inclusive, repercussão nacional após embate entre os ministros Kassio Nunes Marques e Cármen Lúcia. Nunes Marques afirmou que é necessário ter "empatia com essas mulheres" e disse não ser fácil "para uma mulher do povo, simples, se candidatar e ter nove votos numa cidade".

A ministra Cármen Lúcia rebateu e disse não considerar que a discussão sobre fraude à cota de gênero seja uma questão de "empatia" e ressaltou que mulheres não são "coitadas". 

"A Justiça Eleitoral tem a tradição de reconhecer como pessoa dotada de autonomia, e não precisar de amparo. Isso é o que nós não queremos, ministro. E eu entendo quando o senhor afirma, de uma forma que soa paternal, dizendo que haja empatia. É preciso, na verdade, que haja educação cívica. (...) Não somos coitadas. Não precisamos de empatia, precisamos de respeito".

Como ainda cabe apresentação de mecanismos recursais no próprio Tribunal, a decisão do TSE ainda não foi efetivada e a composição das câmaras municipais de Itaiçaba e Tururu ainda não foram modificadas.

DECISÃO INÉDITA NO CEARÁ

Segundo a legislação eleitoral brasileira, os partidos devem obedecer a uma regra mínima de proporcionalidade ao apresentar a chapa de candidatos ao legislativo – seja municipal, estadual ou federal. Deve ser preenchido um percentual mínimo de 30% de candidaturas do gênero minoritário.

Apesar de não ser explícito, na letra da lei, que o menor percentual é de candidatas mulheres, historicamente os 30% das cotas são destinados à candidaturas femininas – em um reflexo da ainda reduzida representatividade de mulheres na política e do pouco incentivo partidário à participação feminina. 

O preenchimento obrigatório da cota de gênero foi imposto em 2006, mas a punição de partidos que apresentem candidaturas fictícias foi endurecida apenas em 2019, quando o TSE decidiu que a presença de candidaturas fictícias levava à cassação de todos os candidatos do partido, porque, mesmo se não tiverem envolvimento na fraude, as demais candidaturas se beneficiaram indevidamente da fraude. 

A decisão foi tomada por quatro votos a três, em processo que julgou o caso em coligação para o cargo de vereador na cidade de Valença do Piauí (PI).

No Ceará, no entanto, a primeira cassação por fraude à cota de gênero seria tomada apenas dois anos depois, em maio de 2021, referente à denúncia de candidaturas fictícias na chapa de candidatos do PSD à Câmara Municipal em Croatá. No mesmo mês, a chapa do PDT em Nova Russas também foi cassada. 

Em cada uma das cidades, um vereador teve o diploma cassado após a decisão do TRE-CE. Além disso, todos os votos do partido foram anulados e o cálculo do resultado da eleição para vereador de cada município teve que ser refeito. Os novos vereadores de Croatá e Nova Russas tomaram posse em agosto e setembro de 2021, respectivamente. 

CASSAÇÃO DE MAIS DA METADE DA CÂMARA MUNICIPAL

No caso de chapas de vereadores, a anulação dos votos por fraude à cota de gênero – e consequente mudança na composição da câmara municipal – ocorre após serem esgotados todos os recursos no Tribunal Regional. Mesmo que o partido acione o TSE, a cassação de diplomas continua valendo até a análise de recurso pela Corte superior da Justiça Eleitoral. 

Até agora, houve a cassação de 23 vereadores em 12 municípios cearenses por conta de fraude à cota de gênero. São eles: 

Alto Santo

Capistrano

Croatá

Maranguape

Nova Russas

Pacoti

Potengi

Quixadá

Santana do Acaraú

Santana do Cariri

Senador Pompeu

Sobral

Destes, houve a posse de novos vereadores em, pelo menos, 11 câmaras municipais nos últimos dois anos. Apenas em Maranguape, onde o TRE-CE cassou o diploma de quatro vereadores do PL pela presença de candidaturas fictícias de mulheres em novembro de 2022, o Diário do Nordeste não conseguiu confirmar a posse dos novos parlamentares.

O caso em que a cassação teve maior impacto foi na Câmara Municipal de Alto Santo. Dos 11 vereadores eleitos no município em 2020, sete foram substituídos após a Justiça Eleitoral identificar a fraude à cota de gênero. 

No município, foram cassadas as chapas de candidatos à Câmara Municipal do PSD e do PDT, após identificação de candidaturas fictícias de mulheres, apresentadas apenas para cumprir a cota de gênero. Entre os vereadores cassados, estava a única mulher eleita em 2020 para a Câmara Municipal da cidade e a candidata mais votada em Alto Santo, com 737 votos, Genileuda (PDT). 

Após a cassação dos sete vereadores eleitos em 2020, os novos parlamentares tomaram posse em junho do ano passado. Com a nova composição, a Câmara Municipal de Alto Santo continua contando com apenas 1 vereadora, Neidinha (PP), dentre 11 parlamentares – uma representatividade de apenas 9.09%.

(Luana Barros/Diário do Nordeste)

Últimas notícias