A organização criminosa desarticulada pela Polícia Civil do Ceará (PCCE) em Itapipoca, na Operação Fragmentado, na última terça-feira (23), fez mais de mil vítimas pelo Brasil, a partir de fraudes bancárias. O dinheiro obtido nos golpes era utilizado para comprar imóveis e, principalmente, veículos luxuosos, uma prática conhecida como lavagem de dinheiro. A investigação identificou a movimentação de ao menos R$ 35 milhões, no esquema criminoso.
O nome da Operação faz uma alusão ao filme homônimo, em que um homem apresenta múltiplas personalidades. O titular da Delegacia de Combate aos Crimes de Lavagem de Dinheiro (DCCLD), delegado Ismael Araújo, explica que o golpe se dava pela "abertura fraudulenta de contas bancárias e a utilização de créditos oriundos dessas contas. A partir da captação de lucros, os criminosos convertiam esses lucros em patrimônio, a fim de dar uma aparência lícita a esse patrimônio. Invariavelmente, registrando esse patrimônio no nome de pessoas interpostas, o que a gente conhece popularmente por 'laranja'".
Pelo menos 18 pessoas de Itapipoca cometiam esses golpes, com o mesmo 'modus operandi', mas não havia uma liderança máxima entre elas, segundo o delegado. Destas, 12 foram alvos de mandados de prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica e quatro, de prisão preventiva. Dentre os alvos, seis acabaram presos em flagrante, na posse de armas de fogo ou documentos falsos.
A organização criminosa agia há cerca de dez anos e, de acordo com o delegado Ismael Araújo, fez mais de mil vítimas pelo País. "São dois tipos de vítimas. Primeiro, as pessoas cujos dados qualificativos foram utilizados para aberturas de contas fraudulentas. E também as instituições, que tiveram prejuízos financeiros importantes, até agora da ordem de R$ 35 milhões. A tendência é que esse valor aumente substancialmente", afirma, apontando para desdobramentos da investigação.
Pelo menos oito instituições financeiras - inclusive bancos digitais - foram vítimas dos golpes. As pessoas que tiveram os dados utilizados são principalmente de fora do Ceará. Araújo afirma que vazamentos de dados, como o megavazamento que expôs informações de 223 milhões de brasileiros - descoberto em janeiro deste ano - beneficiam essas quadrilhas.
"Isso mostra a importância da preservação de dados das pessoas. Essa quadrilha se vale desses dados vazados e começa a abrir contas em nomes de terceiros. Isso é seríssimo".
Dedicação ao 'trabalho'
O titular da DCCLD conta que os integrantes da organização criminosa investiam o dinheiro obtido nas fraudes principalmente na compra de veículos luxuosos e eram conhecidos no Município de Itapipoca, devido aos automóveis. Os criminosos não se importavam muito em viajar, porque queriam estar sempre 'trabalhando' - ou seja, cometendo golpes. Em um dia, conseguiam cerca de R$ 4 mil, R$ 5 mil.
"Eles adoram veículos. É aquela situação de ostentação. Mas em termo de viagens, não adotam muito essa prática. A gente verifica, depois da apreensão, que eles trocavam muita conversa do tipo: 'fulano, tu vai trabalhar hoje?'. 'Trabalhar' significa gerar contas fraudulentas, praticar novos estelionatos", revela o delegado.
"Era uma conduta que se desenvolvia todo dia e eles consideram que, quando não estão trabalhando, eles têm a sensação de estar perdendo lucros".
Lavagem de dinheiro
O delegado Ismael Araújo destaca a importância da investigação da lavagem de dinheiro de grupos criminosos e de uma Delegacia de Combate aos Crimes de Lavagem de Dinheiro, criada no Ceará em 2019. A Unidade tem investigações próprias e ainda colabora com outras delegacias da Polícia Civil, que começam a apurar outros crimes e descobrem também lavagem de dinheiro.
Conforme Araújo, o crime "tem um viés patrimonial muito forte. Se o sujeito comete outro crime lá atrás e obtém provento importante e ele não foi pego naquele momento, ele pode vir a ser responsabilizado futuramente pela lavagem de dinheiro. Esse é um aspecto fundamental para o combate à impunidade".
"Outra importância da lavagem de dinheiro é a capacidade jurídica de você conseguir retirar, daquela pessoa que obteve lucro ilícito, exatamente o patrimônio fruto do ilícito. E converter, se for o caso, em benefício do Estado. A própria lei tem a previsão que aqueles recursos patrimoniais sejam revertidos por ordem judicial", finaliza. (Diário do Nordeste)