Em depoimento, a ex-assessora de Flávio Bolsonaro, Luiza Souza, confessou rachadinha e entrega de valores para Fabrício Queiroz. Ela apresentou extratos bancários e disse ter sido orientada a devolver a maior parte do que recebia como salário. Essa é a primeira vez que um ex-assessor admite o esquema ilegal no gabinete do parlamentar. As informações são do O GLOBO.O Ministério Público do Rio de Janeiro já denuncia o senador Flávio Bolsonaro por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Um dos episódios finais desse caso foi justamente o depoimento de Luiza Sousa Paes, ex-assessora do antigo gabinete do "01" na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Nos detalhes do depoimento, feito em setembro e obtido pelo GLOBO, ela admitiu que nunca atuou como funcionária do filho do presidente Jair Bolsonaro e também era obrigada a devolver mais de 90% do salário. Além disso, Luiza apresentou extratos bancários para comprovar que, entre 2011 e 2017, entregou por meio de depósitos e transferências cerca de R$ 160 mil para Fabrício Queiroz, ex-chefe da segurança de Flávio e apontado como operador do esquema de desvios de salários.
uiza Sousa Paes foi nomeada entre os assessores de Flávio em 12 de agosto de 2011 e lá ficou até 11 de abril de 2012. Depois, foi nomeada em outros setores da Assembleia: na TV Alerj e no Departamento de Planos e Orçamento. Mesmo assim, durante todo esse período, Luiza relatou ao MP que teve que devolver a maior parte do que recebia como salário. O primeiro contracheque dela no período em que trabalhou no gabinete de Flávio tinha um valor bruto de R$ 4.966,45. Já o último, na TV Alerj, de R$ 5.264,44.
Em depoimento, ela disse que ficava apenas com R$ 700. Além disso, também tinha como obrigação devolver valores relativos a 13º, férias, vale-alimentação e até o valor recebido pela Receita Federal como restituição do imposto de renda. O valor do vale-alimentação, cerca de R$ 80 diariamente, era depositado diretamente nas contas dos funcionários da Alerj sem registro ou desconto no contracheque.
Luiza relatou ainda que conheceu outras pessoas que viviam situação semelhante a dela: nomeadas sem trabalhar. Citou as duas filhas mais velhas de Fabrício Queiroz, Nathália e Evelyn, e Sheila Vasconcellos, amiga da família do policial. Os dados financeiros das três, obtidos na investigação, já identificavam que elas tinham devolvido para Queiroz R$ 878,4 mil.
Mais detalhes da investigação
A investigação sobre Luiza no caso começou a partir do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), entregue pelo órgão ao Ministério Público Federal em 2018 e depois repassado ao MP-RJ. No documento, ela foi citada como uma dos oito assessores que fizeram transferências para Queiroz ao longo de 2016. Naquela ocasião, foi verificado apenas um valor de R$ 7.684,00 repassado.
Mas ela entregou mais dinheiro ao longo dos anos. A ex-assessora contou aos promotores como se dava o mecanismo. Ela diz que abriu uma conta na agência da Alerj e foi orientada a fazer todos os meses o saque do salário na boca do caixa, já que no caixa eletrônico há um limite para a retirada. Logo após pegar o dinheiro, ela já solicitava um depósito para a conta de Fabrício Queiroz - às vezes de forma anônima, outras não. O MP já tinha identificado um total de R$ 155 mil de depósitos dela para Queiroz a partir das quebras de sigilo bancário.
No depoimento ao MP, ela contou que se viu envolvida no esquema aos 19 anos, quando estava terminando a faculdade de Estatística. O pai dela, Fausto, era amigo de Fabrício Queiroz. As famílias chegaram a ser vizinhas de rua durante algum período em Oswaldo Cruz, na Zona Norte do Rio. Originalmente, segundo Luiza, quem queria um emprego era o pai dela. Luiza pediu posteriormente um estágio e Queiroz disse que iria ajudar.
Ela informou ao MP que só ficou ciente das condições da "rachadinha" no dia em que foi tomar posse, em 12 agosto de 2011. Nesse momento, Queiroz disse a ela na Alerj que a equipe do gabinete não tinha nenhuma tarefa para ela, mas quando tivesse avisaria. No entanto, a equipe de Flávio nunca pediu nenhum trabalho para ela. Luiza fez um acordo com o MP para devolver todos os valores que efetivamente embolsou desde 2011.
Cerca de um ano depois da nomeação, ela foi informada de que a vaga que ela tinha no gabinete seria extinta e que iria ser nomeada em outro cargo na própria Alerj. O esquema de devolução dos valores, porém, devia continuar da mesma maneira com Queiroz.
Procurada, Luiza disse que não podia se manifestar devido ao sigilo do processo.
Defesas
A defesa do senador Flávio Bolsonaro não quis comentar o depoimento de Luiza. Sobre a denúncia afirmou, em nota, que já era esperada, mas não se sustenta.
Leia:
"Dentre vícios processuais e erros de narrativa e matemáticos, a tese acusatória forjada contra o Senador Bolsonaro se mostra inviável, porque desprovida de qualquer indício de prova. Não passa de uma crônica macabra e mal engendrada. Acreditamos que sequer será recebida pelo Órgão Especial. Todos os defeitos de forma e de fundo da denúncia serão pontuados e rebatidos em documento próprio, a ser protocolizado tao logo a defesa seja notificada para tanto".
Já a defesa de Fabrício Queiroz ainda não se manifestou sobre as acusações de Luiza Souza. Sobre a denúncia , diz ter tomado conhecimento da notícia do oferecimento pelo MPRJ, sem, no entanto, ter tido acesso ao seu conteúdo. "Inaugura-se a instância judicial, momento em que será possível exercer o contraditório defensivo, com a impugnação das provas acusatórias e produção de contraprovas que demonstrarão a improcedência das acusações e, logo, a sua inocência", explica reposta.
Entenda abaixo os três crimes citados na denúncia contra Flávio Bolsonaro:
Peculato - É o desvio de dinheiro público. Ou seja, seria a essência da "rachadinha": ao repassarem seus salários, os assessores estariam praticando o crime, assim como seus chefes. Ao longo da investigação, o MP mostrou uma série de dados das quebras de sigilo bancário e fiscal que apontaram saques em dinheiro e transferências bancárias dos funcionários para Queiroz.
Lavagem de dinheiro - Aqui, nem todos os assessores devem ser enquadrados. Flávio e Queiroz, porém, tem na lavagem um ponto-chave. Como seriam o "autor intelectual" e o operador do esquema, respectivamente, eles teriam agido para lavar o dinheiro supostamente desviado dos cofres públicos. Isso supostamente se deu por diferentes formas, no caso do senador: transações imobiliárias com dinheiro vivo e supostas fraudes em declarações da sua franquia da rede Kopenhagen, por exemplo. Queiroz também teria colaborado para isso ao pagar contas da família de Flávio, como mensalidades da escola de suas filhas e plano de saúde.
Organização criminosa - Ao participarem todos do suposto esquema de "rachadinha", Flávio, Queiroz, os ex-assessores e demais aliados se enquadram no que o MP considera uma organização criminosa. Em casos como esse, costuma-se apontar uma pessoa (Flávio, no caso) como "autor intelectual" dos crimes praticados pelo grupo, além de um operador (Queiroz).