O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa nesta quarta-feira um recurso que tem potencial de anular uma série de condenações da Operação Lava Jato e também em outras ações criminais. O plenário vai decidir se há desrespeito ao direito à defesa nos casos em que acusados e delatores tiveram o mesmo prazo para entregar suas alegações finais no processo.
O julgamento foi marcado depois que a Segunda Turma do STF, composta por cinco dos onze ministros da Corte, anulou em agosto a decisão do ex-juiz Sergio Moro (hoje ministro da Justiça) de condenar o ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil Aldemir Bendine a 11 anos de prisão, justamente porque não lhe foi garantido um prazo maior para manifestação em relação ao concedido aos delatores que o acusavam. O resultado prático é que Bendine terá que ser julgado em primeira instância novamente.
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Segunda a Procuradoria-Geral da República (PGR), centenas de condenações criminais podem ser anuladas com base no entendimento da Segunda Turma. Entre elas, está a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do Sítio de Atibaia. Para tentar conter esse efeito cascata, o ministro Edson Fachin enviou outro pedido semelhante ao de Bendine ao plenário do STF. O recurso foi apresentado pela defesa de Gerson de Mello Almada, ex-diretor da construtora Engevix, na tentativa de anular duas condenações.
O que esperar da decisão do STF?
A decisão da Segunda Turma foi surpreendente, não só por ter sido a primeira anulação de uma condenação proferida por Moro na Lava Jato pelo STF, mas porque contou com o voto da ministra Cármen Lúcia, que raramente toma decisões contrárias aos resultados da operação. Além dela, votaram a favor do pedido de Bendine os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, ficando vencido apenas Edson Fachin, relator da maioria dos casos da Lava Jato no Supremo. Já o decano Celso de Mello, quinto integrante da turma, estava ausente no julgamento.
O Supremo tem tido votações apertadas em questões penais e relacionadas à Lava Jato, em que a ministra Cármen Lúcia costuma votar com a ala considerada mais "punitivista", cujo o núcleo duro inclui ainda Fachin, Luiz Fux e Luiz Roberto Barroso. Por outro lado, a ala mais garantista (que dá peso maior aos direitos do acusado no processo) é formada por Mendes, Lewandowski, Marco Aurélio, Toffoli. Já Celso de Mello, Rosa Weber e Alexandre de Moraes costumam oscilar entre os grupos.
Como o voto de Cármen Lúcia no caso Bendine tende a ser mantido no julgamento dessa quarta-feira, parece haver chances maiores de que o plenário confirme a tese de que acusados precisam ter prazo maior para se manifestar do que delatores.
O argumento no caso desse entendimento é que delatores, embora também sejam réus nas ações, atuam mais como acusação. Dessa forma, eles deveriam seguir as regras previstas para o Ministério Público, que sempre se manifesta antes da defesa, para que os réus possam dar sua palavra final contra as acusações.
"Nós temos processo penal, a acusação e o acusado. E os acusados estão na mesmíssima condição. Nesse caso, temos uma grande novidade no direito. O processo chegou onde chegou por causa do colaborador. Não vejo que estejam na mesmíssima condição" declarou Cármen Lúcia, ao anular a decisão de Moro.
"No processo, Moro deu o mesmo prazo para o ex-presidente da Petrobras e seus delatores da Odebrecht apresentarem alegações finais, a última manifestação no processo. Para garantir a ampla defesa, Bendine deveria ser o último a se manifestar", concordou Gilmar Mendes, na ocasião.
No entanto, há expectativa de que o plenário busque um caminho intermediário, que reduza o potencial de anulação de condenações em cascata. Segundo apuração do jornal Folha de S.Paulo, uma "ala majoritária do Supremo" entende que "a concessão de decisões favoráveis só deve ocorrer quando os réus reclamaram do rito processual desde a primeira instância".
Esse é um dos argumentos apresentados pela ex-Procuradora-Geral da República Raquel Dodge contra o recurso de Gerson Almada.
"Ainda que se considere haver nulidade na concessão de prazo comum, e não sucessivo, para que corréus, inclusive colaboradores, apresentem alegações finais (tese com a qual esta PGR não concorda, frise-se), sabe-se que tal nulidade deve ser alegada no momento oportuno, ou seja, na primeira oportunidade que couber ao réu falar nos autos, sob pena de se operar a preclusão temporal", sustentou a ex-PGR.
Há duas semanas, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), desembargador Victor Luiz dos Santos Laus, disse à BBC News Brasil que a decisão no caso Bendine terá amplo impacto se confirmada pelo plenário da mais alta corte. Mas destacou que caberá ao STF arbitrar as consequências de uma decisão final sobre outros processos.
"Teoricamente, esses processos teriam de andar para trás. É claro que o Supremo pode eventualmente modular temporalmente (os efeitos da decisão), dizendo: 'Esse entendimento é daqui para diante'. Mas em direito penal esse entendimento é difícil de acontecer, porque é um direito que lida com a liberdade das pessoas", ressalta.
Qual pode ser o impacto para Lula e outros condenados?
Não está claro quantas condenações podem ser anuladas, caso o plenário do STF confirme o entendimento da Segunda Turma. Na sua manifestação, Dodge destaca que isso poderia afetar centenas de processos, considerando também casos fora da Lava Jato.
O julgamento não deve impactar a condenação de Lula no caso do Tríplex do Guarujá porque não havia delatores naquela ação. Um dos réus, o ex-presidente da construtora OAS Léo Pinheiro, fez acusações contra o ex-presidente enquanto negociava acordo de colaboração premiada, mas ele só foi aceito pela PGR no fim de 2018 e homologado neste mês pelo STF.
Nesse processo, a condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Já no caso do Sítio de Atibaia, em que Lula foi condenado em primeira instância e aguarda julgamento do TRF-4, houve atuação de delatores, o que pode levar a condenação a ser anulada.
Além disso, a Segunda Turma deve analisar um recurso mais amplo do petista até novembro, que tem potencial de anular todos os processos contra ele originados na 13a vara de Curitiba, caso os ministros entendam que Moro agiu com parcialidade ao conduzir os processos de Lula. Se esse pedido for acolhido, o ex-presidente será posto em liberdade e terá seus direitos políticos restabelecidos.
Em geral, são as turmas que julgam casos criminais. Isso foi implementado após o julgamento do escândalo do Mensalão, com objetivo de desafogar o plenário do STF. Porém, alguns casos criminais de maior relevância envolvendo questões constitucionais podem ser remetidos ao plenário.
(BBC Brasil)