domingo, 31 de março de 2019

Uso político de consórcios de Saúde motiva embates no Estado


Criados em 2008 com a finalidade de melhorar o atendimento à população, os consórcios de Saúde - responsáveis pela administração de policlínicas e de Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) - estão se tornando redutos políticos sob forte disputa entre lideranças no interior do Estado. Nos últimos dias, os embates se intensificaram e estão agitando os bastidores da política local.

"(Os consórcios) Se tornaram verdadeiras 'prefeituras' com cargos diretivos com salários de R$ 10 mil mensais e o preenchimento de até 120 vagas em alguns casos (de médicos até zeladores). Quer dizer: viraram fonte de forte influência e alvo de grande briga entre grupos políticos - deputados e prefeitos", detalha uma liderança que acompanha de perto os embates.

Os consórcios são formados por municípios agrupados para fazer a gestão dos equipamentos que atendem às populações das cidades envolvidas. Os recursos são rateados entre as prefeituras e o Governo do Estado. A cada dois anos, há uma sucessão no comando dos consórcios, e a escolha é feita em acordo entre Estado e municípios.

Após despertarem para o potencial político das unidades, lideranças começaram a disputar o comando entre si. Em alguns casos, segundo fontes ouvidas pela reportagem, os comandos dos consórcios acabaram fazendo parte de negociações políticas na base aliada do governador Camilo Santana (PT).

"Em um deles, seis prefeitos estavam contra um, mas o Estado queria indicar o prefeito que estava sozinho. Isso causou revolta nos gestores. Qual o critério da indicação?", questiona uma fonte, ao detalhar a disputa pela presidência de um dos 23 consórcios de Saúde do Estado.

Em muitos casos, repetem-se os litígios já conhecidos entre grupos regionais. E a reação que ganhou força nos últimos dias partiu exatamente de parlamentares cujos prefeitos aliados perderam o comando ou estavam se sentindo prejudicados com as escolhas dos novos comandos.

Na última quarta-feira (27), o deputado Agenor Neto (MDB) levou o assunto para a tribuna da Assembleia Legislativa. Ele reclamava de conchavo político feito na regional de Iguatu, que acabou no rompimento entre ele e o prefeito de Jucás, Raimundo Luna Neto.

"Ele (Luna) e o prefeito de Iguatu se juntaram para administrar (o consórcio). Ele havia votado comigo na última eleição e rompeu. Para você ver como esses consórcios são fortes...", diz o parlamentar, que acabou derrotado na disputa pelo consórcio. Segundo ele, os órgãos de gestão estão sendo desvirtuados. "Não se vê mais debate sobre melhorias no atendimento à população. É só a disputa por cargos. Está errado", sentenciou.

Critério objetivo

A pressão dos líderes subiu mais ainda diante de uma decisão tomada pelo novo secretário de Saúde do Estado, Dr. Cabeto, na sucessão do consórcio de Cascavel, ocorrido no último dia 22 de março.

Sem consenso entre dois prefeitos, Cabeto comunicou a aplicação de um critério técnico para a escolha: o município com menor índice de mortalidade infantil. E depois, em caso de empate, o índice de mortalidade materna.

A adoção dos novos critérios já foi levada ao governador Camilo Santana, conforme diz o secretário de Saúde, ouvido pelo Diário do Nordeste. Essa medida faz parte de uma ampla reestruturação que a Pasta prepara para o setor.

Na Assembleia, deputados louvaram a iniciativa. Um deles foi o próprio Agenor Neto. "Se a regra for o critério técnico, é uma grande decisão do Estado", considera. João Jaime (DEM) reforçou o discurso: "Se o critério for esse, muito bem. O ruim é não ter critério nenhum. A minha sugestão é que o líder do Governo (deputado Júlio César Filho) leve essa sugestão que é do Dr. Cabeto ao governador".

Na sessão da Assembleia da última sexta (29), Audic Mota (PSB) informou que tratou do assunto com o secretário da Casa Civil, Élcio Batista. Segundo ele, o auxiliar do governador teria dito que acompanha a situação dos consórcios de Saúde no interior e que o Palácio da Abolição aguarda uma proposta do titular da Secretaria da Saúde, Dr. Cabeto, para sugerir mudanças que possam melhorar o atendimento e resolver a questão.

Audic destacou, ainda, que a Comissão de Saúde da Casa, presidida pela deputada Silvana Oliveira (PR), realizará uma audiência pública nesta semana para discutir o tema. "Quero muito acreditar que essa audiência vai ser o ponto inicial para que possamos efetivamente, legislando e debatendo, aprimorar esse modelo, que é de sucesso", afirmou, cobrando a presença da Secretaria da Saúde.

"Nós, que acompanhamos essas questões no interior, estamos levando as confusões ao governador de forma desnecessária. O governador tem conduzido bem essa disputa entre membros de sua base, mas precisa aproveitar essa oportunidade para resolver o problema", argumentou, por sua vez, o deputado Leonardo Araújo (MDB).

Preocupação

Atualmente, o Governo Camilo Santana tem o apoio de 181 dos 184 prefeitos de todo o Estado. No último dia 9 de março, o Diário do Nordeste mostrou, em reportagem, a estrutura de assessores montada pelo Estado no Poder Legislativo para atender diretamente à ampla base.

Carlos Felipe (PCdoB) se diz preocupado com a situação no interior. "O projeto do consórcio é brilhante. Serviu de modelo para outros estados, mas está desvirtuado. Se não for tomada uma atitude, vai acabar com o sistema".

O presidente da Assembleia, José Sarto (PDT), tem conhecimento do embate entre parlamentares e prefeitos no interior. A ideia dele vai ao encontro do que defende o secretário de Saúde, Dr. Cabeto. "É importante que tenhamos critérios claros e objetivos para definir isso. Vai ser melhor para os municípios, para o Estado e para a sociedade", diz. Ele afirma que não falou com governador sobre o assunto, mas que acompanha de perto a discussão.

O Ceará possui, atualmente, 23 consórcios de Saúde. Alvos de disputas entre grupos de prefeitos e deputados, eles têm recebido críticas por uso político. Assembleia e Governo querem discutir o atual modelo.

 COMISSÃO

O deputado Agenor Neto sugeriu na quarta-feira, durante pronunciamento na Assembleia Legislativa, a formação de uma comissão parlamentar para debater a situação dos consórcios regionais de saúde.

De acordo com o parlamentar, as escolhas dos presidentes dos consórcios de policlínicas e centros de especialidades odontológicas estariam sendo norteadas por acordos políticos.



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