quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Radialista juazeirense é destaque na luta contra Aids no país


Na praça Padre Cícero, no centro de Juazeiro do Norte, Ceará, uma mulher se prostra embaixo de uma árvore. Acima dela, um cartaz preso ao tronco escrito em letras garrafais: “Eu sou HIV positivo! Toque em mim!”. Silene Santos decidiu que assumiria sua sorologia assim que recebeu o laudo médico. “Quando vi o resultado reagente sabia que seria ativista. Sabia que era só o começo.”
Nem se quisesse poderia esconder. Silene trabalhava com o povo. Locutora de rádio, ainda é conhecida em toda a cidade. Em 2010, quando o exame confirmou a infecção que mudaria o resto de sua vida, a cidade inteira já sabia. A dona da voz popular estava internada há 17 dias com uma “doença desconhecida”. Só se sabia que ela vomitava muito, febre alta, uma gripe a cada mês, infecções urinárias, o cabelo caía e perdia peso dia após dia. Suspeitaram de tudo. De virose à leucemia. Com tantos exames negativos, restava uma única opção. Um médico de Recife foi atendê-la e pediu o exame de HIV. No outro dia Silene já estava no Serviço de Assistência Especializada (SAE) para começar o tratamento contra aids.
A fama que hoje é usada por Silene para conscientizar e falar sobre prevenção para toda a sua região é a mesma que, segundo ela, lhe deu tantas oportunidades de “levar uma vida com muita irresponsabilidade”. “Eu fui muito irresponsável. Quando falo ainda me arrepio, porque eu tive chance de fazer a coisa certa, saía pra curtir e era a primeira a não usar camisinha. Serviu de lição. Mas se pudesse voltar, faria tudo diferente”.
A voz que chega pelo rádio a toda a região de Juazeiro do Norte é firme e convicta. Não apenas enquanto trabalha, mas, também, nas horas triviais do dia. Não é para menos, e Silene sabe bem o motivo. “É preciso ter força e coragem pra mostrar a cara assim como fiz, principalmente no interior do nordeste, onde tem muitas pessoas tradicionais e religiosas.”
A ativista tinha apenas dois medos. A reação da mãe e a reação do filho. “Eu já estava com laudo, quando meu filho foi me visitar e disse ‘você é minha mãe do mesmo jeito, vou te ajudar”. Matheus chegou a levar os amigos para participar de algumas campanhas. A mãe de Silene, Dona Elizabeth, de 73 anos de idade, surprendeu ela e disse “você é minha filha do mesmo jeito”.
Silene adotou a postura de contar a todos que conhece, ainda que pelas redes sociais. “Infelizmente as pessoas têm medo de mostrar a cara. Mudar o status no facebook para relacionamento sério comigo é também se expor, mas conto sobre o HIV pra qualquer pessoa com quem me relaciono, mesmo que seja virtual... já peço pra entrar no meu facebook e ver as postagens que faço sobre HIV.” Esse é mais um dos momentos em que Silene lida diretamente com o preconceito. “Algumas pessoas depois de saberem que tenho HIV dizem, ‘ te admiro, mas vamos deixar como está’ e o relacionamento nem começa, mas isso não é mais problema pra mim. Os amores da minha vida já me aceitaram. Minha mãe e meu filho.”
Quando bate a melancolia Silene se sacode. Levanta. Coloca música. Liga pra alguém.
É por isso  que se sente grata aos tantos amigos que tem. Um deles, em especial, fez Silene voltar ao mercado de trabalho depois que foi demitida pelo preconceito. “As pessoas têm medo de terem algum tipo de problema por manterem alguém com HIV trabalhando na empresa”, diz ela enquanto busca encontrar justificativas.
Cieldo Silva é o nome do amigo que montou um portal de notícias para que Silene pudesse trabalhar novamente. O estúdio de rádio fica na casa dele. E o resultado extrapolou as fronteiras de Juazeiro do Norte. Hoje, a voz de Silene chega, não apenas ao povo do Ceará, mas para pessoas do mundo inteiro, através da internet. O portal Colina Web Rádio já tem 3 anos de idade.
Além disso, ela alterna as poucas horas livres entre atividades da Pastoral da Aids, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids (RNP+Brasil), nos trabalhos da Movimento Nacional Rede Cidadãs Posithivas, ou simplesmente em rodas de conversas que ela organiza para falar sobre prevenção. “Fazer parte de tudo isso me transformou como mãe, filha e como mulher. O HIV é um companheiro, mesmo eu tendo carga indetectável. Hoje, me olho com mais amor.”
Silene encontrou, na dor, motivo para mudar de vida. “Minha bandeira é essa. É possível viver com HIV, mas não é fácil. Principalmente pelo preconceito que precisamos enfrentar.” É por isso que a radialista fala tanto sobre prevenção. “Pra não acontecer com eles o que aconteceu comigo. Muita gente na minha região correu pra laboratório pra fazer o teste depois que me conheceu.” Só em Juazeiro do Norte são de 4 a 5 casos diagnosticados por semana.
Por isso, Silene sabe que, quando se coloca embaixo de uma árvore em pleno centro da cidade, cada pessoa que decide não tocá-la mostra que a luta está apenas no início. “Eu tenho 7 anos de HIV, 7 anos de vida nova.” E Silene sabe que sua voz precisa chegar a mais lugares. Está apenas começando.
(agenciaaisd.com.br)

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