sábado, 3 de janeiro de 2015
Crônica de Renato Casimiro: "Bom Tarde para você, Espedito Seleiro"
No dia em que Espedito Veloso de Carvalho nasceu na Fazenda Poço do Novilho, em Arneiroz, sertão dos Inhamuns, em 29.10.1939, seus pais Raimundo Pinto de Carvalho e Maria Pastora Veloso, viviam modestamente da agricultura de subsistência e da fabricação de selas para animais que sequenciava habilidades de pais, avós e bisavós.
Essa atividade patriarcal marcou tanto sua vida que hoje, sem exagero, pelo mundo inteiro se ouve falar de um grande mestre do artesanato coureiro do nordeste brasileiro, com o nome de Espedito Seleiro.
Seleiro, hoje, é quase um sobrenome, uma identidade que se fez, para quem, por artes e ofícios, vividos ainda numa ponta do grande ciclo rural do couro, de herança de família, como escola de formação profissional, conquistou nossa admiração e reverência.
Exatamente porque há varias décadas, você Espedito, se mantém ativo, hoje aos 75 anos de existência, fiel a esta tradição de fazer bolsas, sapatos, chapéus, carteiras, gibões, roupas, peças mobiliárias, acessórios, e outros objetos, participando de feiras pelo Brasil, exposições em New York, como agora você se prepara.
No bom sentido, a vida lhe pregou esta peça, Espedito, simplesmente porque pela sobrevivência ou não, você se entregou à arte para ajudar pais e família, criando soluções para a sobrevivência no agreste, para vaqueiros, ao mesmo tempo em que selou, com mãos tão habilidosas, a grande arte da caatinga.
Quem vai à Nova Olinda, além da obra magnânima da Fundação Casa Grande, não pode deixar de ir conhecê-lo, como o fiz na semana que passou.
Quero dizer-lhe Espedito, que mesmo conhecendo seu trabalho, desde ainda as modestas presenças na ExpoCrato nos anos 80, eu fiquei encantado com as dimensões que sua arte terminou por semear neste rico e cultural Cariri.
Seu complexo de trabalho, constituído por ateliê, oficinas, exposição, loja e museu é uma parada obrigatória para quem vai à Nova Olinda porque o seu mundo não é mais a vila de poucos habitantes e seus trabalhos são reconhecidos e já integram coleções de grifes internacionais, exportados para vários países do mundo.
O mundo descobriu a sua genialidade em retratar em tantas peças, especialmente as utilitárias, estes ingredientes que o levavam a cumprir todas as etapas do artesanato mais típico, a partir da obtenção das peles e a própria curtição do couro com cinzas e taninos.
A pressa deste mundo, a curiosa demanda por esta arte em tempos de hoje, não violentaram o seu compromisso artístico pela inserção de couro de cabra, pelica e camurça, senão por enriquecê-lo com muita criatividade e versatilidade.
E pensar que tudo isto começou quando você faliu comercialmente como bodegueiro e resolveu recriar sandálias como aquelas que seu pai fez para Lampião e Maria Bonita...
Destaco, especialmente, a sua sensibilidade de ter construído com seus próprios recursos o Museu do Couro, o Memorial de Espedito Seleiro, um bem montado equipamento que oferece ao visitante os elementos significativos do ciclo do couro para contar capítulo importante da história do Cariri.
Ao conhecê-lo recentemente, na maturidade de toda esta existência criativa e produtiva, Espedito, eu tive a sensação de ali descobrir, no sorriso tímido de um menino, grandioso tradutor artístico de seu povo, as razões desta pessoa simples que a todos nos encanta e mostra ao mundo uma arte destes sertões que só você é capaz de realizar. Mais ninguém!
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 02.01.2015)